Estação Barra Funda

Começo este texto na Santa Cecília. Ao final do corredor posso pegar a escada da esquerda ou a da direita. Ambas me levam até a plataforma do metrô. As marcas amarelas no limite entre a plataforma e o trilho indicam onde estaria a porta caso o trem lá estivesse.
Desço os degraus com passos apressados. Sei que tenho menos força na perna esquerda do que na direita, por isso desço sempre com direita-esquerda-direita.
Aprendi que dobrar bastante os joelhos me deixa mais compacto, aproxima meu centro de gravidade do chão e me dá mais equilíbrio, assim desço mais rápido.
Na plataforma, me posiciono sempre na segunda marca amarela à direita da escadaria da direita. Faço isso porque ao entrar por ali, quando o trem chega na Barra Funda, saio exatamente na boca de duas escadas, de qualquer lado do trem que eu saia.
Se saio pelo lado direito, escada de pedra; pelo esquerdo, escada rolante. Sempre vou pela escada rolante, andando. É a combinação mais rápida. Ocupo espaço na minha memória de centavos com esses conhecimentos específicos.
Ninguém me tira da cabeça que eu esqueço de apagar o fogo do fogão após usar porque decorei o melhor lugar para me posicionar na plataforma do metrô. Não tem espaço pra tudo nessa cabecinha aqui.
A Santa Cecília e as outras estações da linha vermelha existem na minha vida em função da Barra funda, que é estação de metrô, trem, terminal de ônibus e rodoviária.
A Barra funda parece um cenário futurístico decadente de um filme de ficção científica dos anos 60. É dos lugares que mais passei nessa vida. Passei tanto por lá, que se eu me mudar de São Paulo e nunca mais voltar, ainda estará entre os locais que mais estive na vida.
Terá lugar próprio no menu de capítulos da minha vida que terei acesso após morrer, igual no filme Clique. Com capítulos ôpacos que eu não assistirei, pela falta de acontecimentos interessantes.
Passo por lá quase todo dia. Muitos deles, na ida e na volta. E eu nunca vi nada legal acontecer por lá. Um espaço tão grande e cheio de gente, mas tão sem vida.
Eu deveria esperar menos daquela estação. Deveria esperar nada. Com o perdão do trocadilho, tudo lá é passageiro. Até as lojas nos pequenos boxes que tentam vender artigos para viajantes esquecidos. Vira e mexe mudam os donos e os produtos.
Até os lojistas veem aquele lugar como temporário. Uma baldeação para uma loja maior em outro local…
Ao longo da história tanta gente já passou por tanto lugar. Será que gostavam ou desgostavam deles? Pensavam sobre eles? Identificavam-se com eles?
Eu, Brendo, residente da zona norte da capital de São Paulo no século 21, estou fadado a ser um frequentador habitual daquela estação. Tantos e tantos anos passando por ela. Já sou parte de sua cinza história não registrada.
Sou passageiro de lá, mas não porque quero. Já peguei ranço. Não haveria de ser diferente, passei por lá em todos os dias da semana e em todos os horários possíveis. Nada aprendi lá, vi ou ouvi que fizesse diferença na minha vida.
E ainda assim, conheço a fundo aquele lugar, que não é destino, é só caminho…
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